Sahovski Informator 146 Por Hindemburg Melão Jr.
O livro sobre o qual pretendo falar hoje é, em minha opinião, o melhor e o mais importante do Xadrez. Poderia ser classificado como “revista”, porque é um periódico, mas como costuma ter mais de 300 páginas, algumas vezes mais de 400, prefiro chamar “livro”. Trata-se do Sahovski Informator, que nos últimos anos ficou mais conhecido como Chess Informant. Comparando o Sahovski com outros livros, é como se o Sahovski fosse um livro acadêmico, enquanto os demais fossem livros de divulgação científica. É outro nível. Aliás, é como se fosse O LIVRO ACADÊMICO, um handbook escrito pelos melhores do mundo com a seleção do que foi produzido de melhor no período. Uma combinação de Arte e Ciência que eleva a produção de serotonina a níveis estratosféricos. Eu pretendia só falar dele mais adiante, depois que já tivesse apresentado outros livros voltados ao pessoal que está começando, mas como na edição 146 do Sahovski foi publicada uma bela homenagem do Leitão ao Mequinho, achei que deveria aproveitar para dar ênfase a esta homenagem. Nesta edição, o GM Rafael Duailibe Leitão apresenta uma seleção das melhores partidas do maior jogador brasileiro de todos os tempos, e terceiro melhor do mundo, Henrique Costa Mecking, sobre o qual já comentei quando citei o livro do Filguth sobre ele. Algumas das partidas estão comentadas pelo Leitão, outras pelo próprio Mequinho. Desde 1966, Sahovski Informator tem sido a principal fonte de pesquisa e referência para os melhores jogadores do mundo, trazendo uma cuidadosa seleção das melhores partidas jogadas no período, com análises de altíssimo nível. Trazia também exercícios de combinações e de finais, novidades teóricas, resultados dos principais torneios e matches e listas de rating. Numa época em que ainda não havia Internet, era uma das poucas fontes completas que trazia estas informações sobre torneios e rating. E o mais importante é que reunia a nata da produção enxadrística mundial. Todos os bons jogadores tomavam como referência as novidades teóricas publicadas no Sahovski para atualizar seus repertórios de aberturas. Além disso, era um prazer indescritível analisar as preciosas partidas selecionadas, além da diversão de resolver as combinações e os finais. Outra vantagem importantíssima do Sahovski é que introduziu uma lista de símbolos traduzidos para 10 idiomas, praticamente criando uma linguagem enxadrísticas, permitindo que jogadores de todos os idiomas pudessem ler os comentários de Kasparov, Karpov, Nikolic, Huebner, Hort etc., sem necessidade de compreender russo, sérvio, alemão ou inglês, um diferencial notável numa época que não havia softwares de tradução e os melhores conteúdos não estavam em português. Além disso, sintetizava os comentários e, assim, possibilitava incluir centenas de jogos comentados num volume relativamente pequeno. Atualmente a Internet permite consultar os resultados de eventos quase em tempo real, permite ver as listas de rating no próprio site da FIDE, bem como os históricos de rating de cada jogador. Os gigantescos bancos de dados permitem consultar as partidas que se deseja com bastante facilidade. Mas até hoje não existe nenhum processo de filtragem de conteúdos de altíssima qualidade como o Sahovski, que continua sendo, a meu ver, a publicação mais importante do mundo. Alguns jogadores preferem New in Chess ou Chess Base Magazine, que também são excelentes. A CBM traz vídeos com notícias, aulas, eventos etc., mas acho que em termos de qualidade e confiabilidade, o Sahovski continua sendo o melhor. Sou meio suspeito para falar, já que fui colaborador do Sahovski durante anos, tive alguns de meus jogos publicados, uma de minhas novidades teóricas foi eleita uma das 10 mais importantes pelo júri do Sahovski, bem foram publicados jogos de outras pessoas com minhas análises (inclusive do match entre Vescovi e Mequinho). Mas não sou o único com essa opinião. Acho interessante citar a opinião de Karpov sobre o Sahovski (no print). Inicialmente era publicado anualmente, depois semestralmente e creio que agora seja quadrimestral. Também é importante esclarecer que o formato atual do Sahovski está modernizado, não inclui mais as listas de rating e resultados de eventos que deixaram de ser importantes, devido à facilidade de acesso por outros meios. E em lugar destes conteúdos, foram criadas novas seções. Lembro-me da primeira vez que vi um volume do Sahovski, era bastante caro para mim, mas eu podia estudar sem custo nos que estavam disponíveis na biblioteca do CXSP. Em 1988 consegui comprar um volume 36 usado, de 1983, que era mais barato por estar desatualizado, e pude me deliciar com suas partidas fantásticas e análises extraordinárias. Ainda hoje me lembro da surpresa que tive quando vi pela primeira vez o Contra-gambito Traxler, jogado por Beliavsky contra Karpov, neste volume 36. Passei vários dias tentando entender por quê Karpov não jogou 5.Cf7. Analisei muitas variantes concretas, mesmo assim não consegui entender, levei ao CXSP e perguntei a alguns jogadores mais experientes, inclusive alguns mestres, que também não souberam dar explicações satisfatórias, mas um deles me mostrou na biblioteca do CXSP a ECO. Foi então que descobri outra obra prima, da mesma editora do Sahovski: a Encyclopedia of Chess Openings, a famosa ECO, do código ECO, hoje usado mundialmente. Fomos pesquisar na ECO-C de 1972, disponível no CXSP, para tentar compreender porque 5.Cf7 não era bom na variante C57, e constatamos que era “bom”, mas 5.Bf7 era melhor, e as complicações eram imensas em ambas, tanto é que o grande Karpov, no auge de sua carreira, jogando de Brancas, não conseguiu vencer Beliavsky, ficou inferior na abertura e acabou empatando por baixo. A posição é tão incrivelmente complexa que mesmo com as super engines atuais não se consegue esgotar as variantes. Neste mesmo volume 36, vi uma partida interessantíssima de talentoso Nunn contra o GM Marin, na qual Nunn fez o temático sacrifício Cd5 na Siciliana, que na época eu não conhecia nem compreendia bem os fundamentos daquilo. Vi outro fantástico sacrifício posicional de Glek contra Jandemirov, que ficou uns 20 lances jogando com peça a menos, após um genuíno sacrifício posicional, vi pela primeira vez o fantástico sacrifício posicional de 7.Cc3 na variante Schiellemann (C63), vi uma partida extraordinária de Kasparov contra Tal, com muitas complicações táticas, e outras joias raras que me marcaram profundamente. Resolvi todas as combinações e quase todos os finais, analisei todas as partidas das variantes que eu costumava jogar e algumas de jogadores que eu apreciava. Posteriormente, acabei adquirindo a ECO-C 1981, e me deliciei igualmente no estudo das variantes C37, C39, C57, C63, C89, entre outras. Sempre foi uma publicação que respeitei muito, por isso quando tive minha primeira combinação publicada no Sahovski 63, em 1995, foi uma grande emoção. O amigo Roberto Venegeroles me telefonou do CXSP, informando que entre os colaboradores do Sahovski 63 estavam os nomes de dois brasileiros, o Milos e eu, tive a dupla satisfação de meu nome aparecer ao lado do Milos e no periódico mais prestigioso do mundo. Com o lançamento da 146ª edição, o Sahovski completa 55 anos de atividade, em sua missão de levar o Xadrez para mundo, instruindo, educando, entretendo milhões de pessoas em mais de 150 países. E como brinde especial, traz as excelentes análises do Leitão de jogos do glorioso Mequinho. Simplesmente imperdível!