Mosaico Ajedrecístico, de Karpov e Guik Por Hindemburg Melão Jr.
Ainda há vários livros em português, sobre os quais pretendo falar, inclusive Tática Moderna e Estratégia Moderna do Pachman, “Estratégias Vitoriosas” do Seirawan, “Partidas de Xadrez” de Márcio Elísio de Freitas, Partidas selecionadas do Smyslov, A aventura do Xadrez de Edward Lasker, Minhas melhores partidas do Alekhine, Lições elementares do Capablanca, entre outros... Mas antes eu gostaria de falar sobre esta obra prima. Conforme o nome diz, Mosaico Ajedrecístico é uma coletânea que costura vários tópicos muito diferentes entre si, uma ideia que, à primeira vista, poderia parecer bem pouco promissora, mas o resultado é um dos livros mais agradáveis que conheço. Há várias partidas do Karpov comentadas por ele mesmo, o que por si só já seria motivo suficiente para justificar a leitura, mas há muito mais conteúdos interessantes! Há partidas dos matches pelo título mundial, uma seção de partidas brilhantes sob o ponto de vista dos autores e uma seção de miniaturas cuidadosamente selecionadas. Além das partidas, há uma seção de diagramas com problemas de finais, problemas exóticos e o problema mais fantástico e mais difícil que já vi, um problema de mate inverso que você mostra a solução para a pessoa, depois deixa que ela tente resolver com você jogando do outro lado e ela não consegue. Você mostra novamente, e deixa novamente ela tentar. E novamente ela não consegue. No livro isso se repetiu 5 vezes, mas para as pessoas que mostrei, é possível repetir dezenas de vezes para jogadores com 2200-2400, e nenhum deles conseguiu resolver, mesmo depois de terem visto a solução dezenas de vezes. No contexto do livro, este problema é apresentado na forma de apostas. A pessoa mostra como vencer e aposta que a outra não conseguirá reproduzir. E repete isso 5 vezes, com um enredo cheio de comentários divertidos. Aliás, o livro inteiro é escrito com excelente senso de humor, sem perder de vista a seriedade nos itens necessários. Há várias anedotas sobre personagens reais e fictícios, sobre posições, sobre partidas. Uma delas é com um final de Rei Bispo e Peão de Torre com o Peão coroando em casa de cor oposta às diagonais pelas quais se move o Bispo, que é um empate teórico. E um rapaz está com uma posição destas no tabuleiro, em um clube, olhando para ela, tentando descobrir algo. Então chega o MI Guik, vê o rapaz naquela situação e lhe diz “Tablas”. Ao que o rapaz responde: “acho que o Peão pode coroar”. Guik obviamente insiste: “eu estaria disposto a apostar que o Peão coroa”. Então Guik aceita a aposta e jogam a posição. Não vou fazer spoiler, o resultado é muito divertido. Há um trecho sobre computadores de Xadrez, no contexto dos anos 1980, com uma partida muito bem selecionada para mostrar um dos pontos fracos dos computadores, tanto daquela época quanto os atuais. Há uma parte sobre Psicologia no Xadrez, uma parte sobre cálculo de rating e sobre métodos para maximizar o rating conforme o método utilizado na época (média dos resultados a cada semestre, em vez de computar individualmente cada partida, como é atualmente). Há inclusive duas partidas da modalidade “perde-ganha”, que o inigualável Bronstein convidou Guik para jogar, e os massacres são surpreendentes, além de a história ser apresentada de maneira bastante divertida. Há também uma seção com as 15 melhores partidas do Sahovski Informator de 1966 a 1980, uma seleção absolutamente extraordinária! Numa época em que a Internet ainda não havia se popularizado e não existiam as grandes bases de dados para computador, aliás, poucas pessoas tinham computador e o telefone celular ainda não havia sido inventado. Os computadores usavam fitas magnéticas K7, com capacidade de armazenamento muito menor que a de um disquete 5.25”. Durante este período, o Sahovski Informator era a principal fonte de estudo para todos os jogadores seriamente interessados no Xadrez, e reunia a fina nata da produção enxadrística mundial, como faz até hoje, com a diferença que agora se pode ver as partidas em sites como Chessresults, chessgames.com e ChessBase algumas horas depois de terem sido jogadas, além de poder acompanhar em tempo real em alguns sites e canais. As colunas do Hélder e do Herman, por exemplo, quando saía um novo volume do Sahovski, frequentemente publicavam algum dos diagramas ou das partidas do Sahovski. Além disso, o júri que seleciona as melhores partidas do Sahovski a cada período é constituído por 10 GMs, frequentemente incluindo o campeão mundial entre os jurados, o que garante um altíssimo nível técnico e elevado teor artístico em cada uma destas partidas. Neste caso, a partida de que mais gosto é a fantástica vitória de Spassky, de Pretas, contra o grande Larsen, em 1970, com Larsen no auge de sua carreira, tendo representado o resto do mundo no tabuleiro 1, à frente de Fischer, nos tradicionais matches “URSS versus o resto do mundo”, que existiam naquela época e geralmente eram vencidos pela URSS. Larsen jogou sua abertura Larsen, e Spassky o derrotou em 17 lances, com vários sacrifícios muito bonitos, uma das melhores partidas de todos os tempos. Este é um livro com várias características peculiares, e por mais que tente descrever seu conteúdo, a única maneira de se ter uma boa ideia sobre ele é folheando-o e, depois, devorando-o. Um livro diferente de todos os outros no conteúdo, na forma e no estilo, mantendo um nível altíssimo em todos os aspectos, um livro digno do grande Karpov e com brilhante participação do Guik.