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1 de ago. de 2024

Verdadeira idade relativa dos cachorros

Síntese


Em 2020, pesquisadores da University of California publicaram um artigo com uma proposta de revisão no método para conversão de idade canina em equivalente humana. O método tradicional consistia na conversão linear IH = 7×IC e a nova fórmula proposta foi IH = 16 ln(IC) + 31. Entretanto, há inconsistências graves nesse artigo e no modelo proposto, gerando resultados muito destoantes dos corretos para cães muito velhos e idades negativas para cães muito jovens. Além disso, há várias outras inconsistências para diferentes momentos relevantes nas vidas de humanos e cães, tais como surgimento de primeira dentição, puberdade, etc. Nossa proposta consiste em apresentar uma novo fórmula, mais apropriada, mais consistente e mais acurada, bem como analisar alguns dos pontos incorretos no estudo da University of California e como podem ser melhorados.

Introdução


Geralmente se converte a idade relativa de cachorros para humanos multiplicando por 7, isto é, cada 1 ano para cachorros equivale a 7 anos para humanos. Nessa conversão, assume-se que o ritmo de desenvolvimento dos cachorros seja mais rápido que o dos humanos, mas preserva essa maior rapidez a um ritmo constante. Entretanto, na realidade não é assim.


O estudo realizado por Trey Ideker, Tina Wang, Danika Bannasch e Elaine Ostrander é interessante, mas requer uma revisão em pontos fundamentais. O texto original pode ser acessado em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2405471220302039


Depois de comparar marcadores de DNA em humanos e cachorros, chegaram á fórmula


IH = 16 ln(IC) + 31


IH = idade humana

IC = idade canina

ln = logaritmo neperiano


Inconsistências no modelo proposto pelos pesquisadores da UCLA


“Batendo o olho” na fórmula já podemos notar erros evidentes, porque ln(x) para x tendendo a zero vai para menos infinito. E para idades de cachorros abaixo de 1 ano, o equivalente humano seria negativo. Portanto é óbvio que o modelo apresenta erros graves.


Aparentemente, os autores testaram o ajuste de várias curvas aos pontos experimentais e constataram que uma função logarítmica era aderente aos dados, mas não se pode fazer um modelo dessa maneira sem analisar aspectos conceituais e lógicos.


A interpretação de “idade negativa” pode ser “antes de sair do útero”, porém um cachorro com 1 mês de vida equivaleria, por essa fórmula, a um humano com -8,8 anos, ou seja, 8,8 anos antes de sair do útero. Portanto não há como tentar salvar a fórmula com base nesse argumento. O modelo também falha para cachorros muito idosos, para 31 anos caninos, esse modelo sugere correspondência a 86 anos humanos, o que está obviamente incorreto. O recorde mundial registrado no Guinness Book de cachorro mais longevo é de 30,5 anos, entretanto há milhões de pessoas com mais de 86 anos. O recorde humano de longevidade é cerca de 121,5 anos. Há vários outros pontos de inconsistência, além desses.


Os gráficos publicados no artigo dos pesquisadores da Universidade da Califórnia mostram as curvas a seguir, nas quais podemos observar mais alguns problemas:


A parte que nos interessa é a que contem essas curvas:

Na curva à direita, fica claro que o modelo não acompanha bem a nuvem de pontos. No primeiro modelo também, mas o erro é menor. Portanto a escolha de uma função logarítmica não se mostra um modelo acurado nem conceitualmente válido.


Novo modelo HM para equivalência de idades de humanos e cachorros


Nesse contexto, haveria algumas alternativas, sendo uma delas tentar encontrar um modelo conceitual melhor, possivelmente somando alguns parâmetros à curva logarítmica de modo a tornar o ajuste melhor e corrigir as inconsistências. Outra abordagem seria fazer um ajuste de curvas com polinômio de Taylor ou uma série de Fourier, que não teria uma justificativa conceitual, mas manteria uma melhor representação dos dados, eliminando as inconsistências.

 

Uma das dificuldades é determinar o critério de pareamento. No estudo da UCLA, usaram marcadores do DNA que podem ser medidos, e os valores dessas medidas podem ser correlacionados com a idade. Entretanto, esses marcadores não se mostraram representativos das características observadas nas diferentes idades. Trataremos disso mais adiante, no tópico “comparação entre modelos”.

 

Outro ponto importante é computar a idade a partir da fecundação, evitando as inconsistências de idades negativas.

 

A ideia proposta aqui consiste numa estratégia bem diferente: em vez de marcadores no DNA, usamos marcadores de diferentes fases na vida que estão presentes tanto em humanos quanto em cachorros, tais como tempo de gestação, expectativa de vida, recordes de longevidade, idade ao entrar na puberdade (primeira menstruação de fêmeas), menopausa (não há para cachorros), surgimento de primeira dentição, segunda dentição, declínio cognitivo etc. Embora esses marcadores sejam variáveis categóricas, podem ser convertidos numa escala de proporção com base no momento da vida em que esses eventos ocorrem em humanos e em cães.

 

Os dados brutos sobre os DNA não foram publicados pelos autores do estudo, por isso não temos como reutilizar esses dados para fazer um ajuste melhor sobre os marcadores de DNA. Entretanto, o método descrito no parágrafo anterior oferece importantes vantagens, especialmente por se basear em marcadores mais diretos, além de a coleta de dados ser mais simples e menos dispendiosa.

 

Desse modo, comparando diferentes estágios importantes e razoavelmente bem determinados nas idades de humanos e de cachorros, podemos parear cada estágio e, em seguida, fazer o ajuste, já que esses são pontos razoavelmente bem conhecidos em humanos e em cachorros. O resultado obtido foi essa curva:

 


Lembrando que as idades nesse caso são a partir da fecundação. O ajuste foi feito com um polinômio de grau 5 impondo a condição de que a curva passe por {0,0}. A fórmula ficou:


y=0,000013004x^5-0,0012949x^4+0,04864x^3-0,9402x^2+12,91x


Onde “y” é a idade de humanos em anos a partir da fecundação e “x” é a idade de cachorros também em anos e a partir da fecundação. Por ser um ajuste polinomial, não se pode usar essa fórmula para idades caninas acima de 35 ou 40 anos, nem para humanos acima de 120 a 140 anos, porque o comportamento da curva começa a se tornar anômalo, tal como podemos observar na curva a seguir.


Apesar dessa limitação, para idades entre 0 e 31 anos caninos ou 0 a 122 anos humanos, a curva funciona muito bem, com uma representação acurada e fidedigna da conversão de idades entre espécies.


Comparando esse novo modelo com o dos pesquisadores da universidade da California, podemos perceber que as retas tangentes aos pontos da curva antes de 5 anos caninos são mais inclinadas, e não correspondem às principais características observadas nos cachorros nessas idades, inclusive surgimento da primeira dentição e puberdade.

Portanto, em linhas gerais, esse modelo apresenta pelo menos 3 vantagens importantes em comparação ao modelo anterior, que o tornam o método mais acurado para converter idades caninas em humanas e vice-versa:

Consistência lógica dos valores no intervalo entre 0 e 125 anos humanos ou 0 a 35 anos caninos.

Melhor aderência aos dados observados empiricamente na evolução de cachorros e de humanos.

Fácil reprodutibilidade para quem quiser testar o modelo com seus próprios dados.


A fórmula para fazer o contrário, isto é, converter idades de humanos em caninas, é:


y=0,000000008349x^5-0,000002139x^4+0,0001918x^3-0,005773x^2+0,1358x


Agora “y” representa a idade canina em anos e “x” representa a idade humana em anos, ambos a partir da fecundação.


O gráfico a seguir mostra a equivalência de idades humanas em caninas:


É importante destacar que essa fórmula é para cães em geral e humanos em geral, mas podem ser criadas fórmulas mais precisas e acuradas com personalizações étnicas, raciais e outras. Em geral, cachorros de menor porte vivem mais do que os de maior porte. Além disso, pode-se observar que marcos importantes como início da puberdade, primeira e segunda dentição, declínio cognitivo ocorrem mais tardiamente nos cachorros menores. Entre humanos também se observam diferenças relevantes entre países e etnias. Mas tanto em cachorros quanto entre humanos, o tempo de gestação é mais uniforme em diferentes raças ou etnias.


Comparação de modelos


Muitas vezes se abandona uma tecnologia eficaz em favor de uma nova, sem que haja uma justificativa concreta para isso. Num dos contos de Isaac Asimov, o célebre escritor relata a história de quando estava assistindo a uma palestra sobre a inovadora tecnologia do videocassete, recém lançado naquela época e apresentado como “substituto do livro” pelo representante de uma empresa que vendia videocassetes e, no meio da apresentação, o preletor fez alguns comentários provocativos a Asimov, sobre a perspectiva de extinção dos livros. Por ironia do destino, Asimov não era um palestrante previsto naquele evento, estava como ouvinte, porém o palestrante seguinte não pode comparecer e os organizadores convidaram Asimov para improvisar um discurso. Ele aceitou, subiu no palco e apresentou brilhantemente sua intepretação do caso, profetizando que o livro continuaria fazendo sucesso muito tempo depois que o videocassete se tornasse obsoleto. A história se encarregou de mostrar quem tinha razão.


No caso do modelo UCLA, baseado em pesquisas com DNA e algumas tecnologias de ponta, à primeira vista pode parecer superior ao antigo modelo 7:1, mas quando submetido a um teste que compara a evolução real de cachorros com a evolução prevista pelo modelo UCLA, constata-se que o simples modelo 7:1 continua mais acurado no intervalo de 0 a 100 anos humanos. A ilusão de que o modelo mais sofisticado é necessariamente superior se desfaz rapidamente quando se confronta o modelo com os fatos. Isso, obviamente, não significa que outros modelos sofisticados não possam funcionar melhor, e de fato é isso que constatamos.


Ao confrontar o modelo UCLA com as idades em que ocorrem os principais marcadores nas vidas dos cachorros e o modelo HM, percebe-se que o ajuste baseado no DNA não fornece uma representação fidedigna. O gráfico a seguir mostra o modelo HM (linha vermelha) e o modelo UCLA (pontilhado “-.” cinza) comparados aos dados (círculos azuis).



Além da anomalia de idades negativas para humanos quando o cachorro é muito jovem, e da anomalia nos casos de cachorros idosos, podemos observar que ao longo de toda a curva o modelo não apresenta uma boa aderência aos dados. A tese de que uma fórmula baseada em marcadores de DNA poderia proporcionar uma boa métrica para conversão de idade canina em humana é interessante, porém ao testar empiricamente os resultados, verifica-se inadequação do modelo, inclusive não se mostra superior ao método antigo 7:1.

Um argumento que poderia ser usado em defesa do modelo de UCLA é que a fórmula é mais simples, ou tem menos termos. De fato, tem menos termos, embora seja discutível se é mais simples. De qualquer modo, pode-se construir uma versão mais simples do modelo HM e ainda mais aderente que o modelo UCLA:


Fazendo o ajuste exclusivamente com dados abaixo de 100 anos humanos, a curva permanece aderente aos dados (mais aderente que o modelo UCLA), evita a anomalia de idades negativas, e simplifica a fórmula:


y=10,59x-0,31845x^2


Pode ser ainda mais “simplificada” e ainda permanecer mais aderente aos dados. Por exemplo:


y=11x-0,32x^2


Onde “y” é a idade humana e “x” é a idade canina.


Variação da longevidade em função do peso típico na raça


Com o modelo acima, pode-se ajustar a fórmula para as diferenças raças, com base no peso do cachorro, introduzindo um termo extra. A variação da expectativa de vida em função do peso é representada no gráfico a seguir:

https://www.instituteofcaninebiology.org/lifespan.html


Conclusão


O modelo UCLA representou um avanço importante na modelagem matemática para conversão de idade canina em humana, com base nos DNAs, entretanto apresentou inconsistências nos limites inferior e superior que tornam o modelo inadequado para uso clínico e para outras finalidades importantes.


Embora modelos polinomias geralmente careçam de suporte conceitual, o uso de uma função logarítmica no modelo UCLA não encontra suporte nos dados para justificar a escolha do modelo, que se mostra muito distante da nuvem de dados.


O novo modelo HM apresentado aqui permite conversões mais acuradas e realistas, preservando paridades importantes em períodos de transição relacionados à evolução do organismo humano e do organismo canino ao longo da vida, sendo mais eficaz para uso clínico no que diz respeito ao cálculo de doses de medicamentos, padronização de intervalos de normalidade de hemogramas, prescrição de posologias, diagnósticos e prognósticos de numerosas doenças, entre outras finalidades.


O modelo UCLA preserva sua validade para estudos genéticos e possivelmente outras finalidades.


A tabela a seguir mostra o detalhamento dos dados usados nos gráficos para calcular os parâmetros das curvas de regressão e determinação do modelo.

Há vários pontos que ainda precisariam ser analisados, porque o cachorro mais longevo registrado no Guinness não é necessariamente equivalente ao humano mais longevo registrado no Guinness, porque o número de cachorros com idades conhecidas não é o mesmo do número de humanos com idades conhecidas, portanto o cachorro mais longevo registrado pode representar algo como 1 em 100.000.000, enquanto o humano mais longevo registrado pode representar 1 em 20.000.000.000. Além disso, a distribuição de raridade de longevidade pode ser bem diferente entre humanos e cachorros, o que torna difícil assegurar que haja equivalência. Por outro lado, ao plotar os dados no gráfico, ficam razoavelmente alinhados com o modelo, sugerindo que provavelmente o cachorro mais longevo registrado é razoavelmente equivalente ao humano mais longevo, e o mesmo se aplica ao segundo mais longevo e terceiro mais longevo. Entretanto, não se pode prosseguir com isso indefinidamente, mas para os 3 primeiros, o alinhamento com o modelo foi muito bom, e seria muita coincidência que isso ocorresse por acaso, sendo mais provável que haja de fato uma razoável equivalência usando esse critério.

 

Outro ponto importante é sobre a variação na longevidade em função do porte. Alguns indícios sugerem que embora cachorros menores sejam mais longevos, o tempo de gestação é aproximadamente igual, independente do tamanho, e nos primeiros meses de vida os menores parecem ter desenvolvimento mais rápido, o que exigiria escalas personalizadas de conversão para cada faixa de peso, ou mesmo para cada raça.




Referências


Dados sobre recordes de idade de cachorros e humanos e outras fontes relevantes:


https://www.bbc.com/news/world-europe-68002393

https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_longest-living_dogs

https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_the_verified_oldest_people#:~:text=The%20oldest%20verified%20man%20ever,aged%20111%20years%2C%20302%20days

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2405471220302039

https://www.instituteofcaninebiology.org/lifespan.html

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